[ANÁLISE] A CANÇÃO DE GELO E FOGO: A GRANDE CONSPIRAÇÃO DOS MEISTRES [Rhaegar Targaryen parte V]



Quem tá acompanhando as análises, viu que inicialmente dediquei-me a compor um painel minucioso sobre o que sabemos sobre o caráter do príncipe  Rhaegar Targaryen. A partir disso, trouxe algumas das interpretações sobre Rhaegar que existe nos livros. A primeira delas, diz respeito a visão que os vencedores da Rebelião de Robert tem de Rhaegar que o coloca como um homem que sequestrou e estuprou Lyanna Stark. A segunda, fornecida pelos lealistas Targaryen, argumenta que Rhaegar sequestrou Lyanna porque a amava. Porém, ao lado dessas versões aparece uma nova camada sobre esse personagem, que o liga a profecia dos Príncipe que foi Prometido.

Nesta quinta parte no entanto, desdobraremos outro aspecto que talvez lance um pouco mais de luz sobre os objetivos finais de Rhaegar Targaryen.

Bem no inicio dessa análise eu dizia que considerava Rhaegar a espinha dorsal da história de Martin e acho que não é exagero de minha parte. Vimos que Rhaegar estava ligado a profecia do Príncipe que foi Prometido/Azor Ahai que tem ligação direta com a Longa Noite e a partir de então iremos inserir Rhaegar no Jogo dos Tronos. Para tanto, falarei um pouco sobre duas teorias muito famosa entre o fandom de As crônicas de gelo e fogo: A Grande Conspiração dos Meitres e as chamadas Ambições Sulistas.  Começaremos então pela primeira, de modo que talvez fique mais claro aonde eu quero chegar.

A Grande Conspiração dos Meistres ganhou considerável força após do lançamento de O Festim dos Corvos, depois que o arquimeistre Marwyn revela que havia mais sobre a morte dos dragões do que até então tínhamos conhecimento.

Como sabemos, o desaparecimento dos dragões ocorreu após A Dança dos Dragões, guerra civil travada no interior da casa Targaryen e que custou a vida dos principais dragões da casa e os que restou deles desapareceu em definitivo durante o frágil reinado de Aegon III que se seguiu ao conflito. Desde então os dragões remanescentes não mais conseguiram prosperar. Eles ficaram doentes e pequenos até que enfim desapareceram. Uma justificativa corrente que se dava era que o aprisionamento dos dragões em Fosso dos Dragões era o responsável pelo definhamento dessas criaturas mágicas. Mas o revelação de Marwyn em O Festim dos Corvos, coloca esse evento sobre uma nova perspectiva:

“- Quem você acha que matou todos os dragões da última vez? Galantes matadores de dragões armados de espadas? – cuspiu. - O mundo que a Cidadela está construindo não tem lugar para feitiçaria, profecias ou velas de vidro, e muito menos para dragões. Pergunte a si mesmo por que foi deixado que Aemon Targaryen desperdiçasse a vida na Muralha, quando, por direito próprio, devia ter sido promovido a arquimeistre. O motivo foi seu “sangue”. Não podiam confiar nele. Assim como não podem confiar em mim.” (MARTIN, George RR, Samwell V. O Festim dos Corvos. São Paulo: Leya, 2012, cap. 45. Tradução de Jorge Candeias)

E de qualquer forma, Martin já vinha questionando sutilmente a veracidade dessa história.

“- Liberdade? – perguntou Dany, curiosa. - O que quer dizer?
- Em Porto Real, seus ancestrais construíram para os dragões um imenso castelo coberto por uma cúpula. Chama-se Fosso dos Dragões. Ainda está de pé no topo da Colina de Rhaenys, embora esteja agora em ruínas. Era lá que os dragões reais moravam nos dias de outrora, e era uma habitação espaçosa, com portas de ferro tão largas que trinta cavaleiros podiam atravessá-las lado a lado. Mas, mesmo assim, notou-se que nunca nenhum dos dragões do fosse atingiu o tamanho de seus ancestrais. Os meistres dizem que isso se deveu às paredes que os rodeavam, e ao grande domo sobre suas cabeças.
- Se paredes pudessem nos manter pequenos, os camponeses seriam todos minúsculos e os reis, grandes como gigantes - disse Sor Jorah. – Eu vi homens enormes nascidos em casebres e anões que viviam em castelos.
- Homens são homens – respondeu Barba- Branca – Dragões são dragões.
Sor Jorah fungou de desdém.” ( MARTIN, George RR, Daenerys I. A Tormenta de Espadas. São Paulo: Leya, 2011, cap. 8. Jorge Candeias)

Sor Barristan, que não é uma da melhores fontes quando o assunto são dragões, acredita na versão dos meistres de que o confinamento retardaria o desenvolvimento dos dragões, ainda que os dragões de Daenerys presos sobre a grande pirâmide em Meereen estejam sugerindo uma história diferente:

“- Estão maiores - A voz de Dany ecoou nas paredes de pedra queimadas. Uma gosta de suor escorreu de sua testa e caiu entre os seios – É verdade que os dragões nunca param de crescer?- Se tiverem comida suficiente e espaço para crescer. Acorrentados aqui no entanto...” ( MARTIN, George RR, Daenerys II. A Dança dos dragões. São Paulo: Leya, 2011, cap. 11. Tradução de Marcia Blasques)

Os dragões de Daenerys confinados nos poços da Grande Pirâmide não apenas estavam crescendo como também abrindo caminho através das grossas paredes de concreto para provavelmente tentar escapar. E também é importante destacar que o tamanho dos dragões não é uma coisa homogênea. Drogon sempre foi por exemplo, muito maior do que seus irmãos, como Balerion foi o maior dragão que a Casa Targaryen já teve.

É sobre a fragilidade dessa constatação, de que o confinamento retardaria o crescimento dos dragões ( e a longo prazo o seu desaparecimento), que a conspiração dos meistres ganha consistência, pois segundo essa teoria, os dragões teriam sido mortos gradativamente não pelo confinamento em si, mas porque o confinamento os deixou vulneráveis aos interesses dos meistres que tinham amplo acesso a eles. Se pudéssemos fazer uma comparação, os meistres estariam para o universo das crônicas o que os monges estão para o nosso mundo durante a Idade Média, com a diferença que a ordem dos meistres está mais associada a razão do que a fé, e neste caso, seu objetivo seria construir um mundo onde a razão prevalece sobre os elementos mágicos. O que poderia ser mais mágico do que um dragão?

Os meistres da Cidadela exercem considerável influência sobre as principais casas de Westeros. Eles escrevem suas cartas, curam seus corpos, educam seus filhos, são conselheiros de grande estima, ou seja, possuem uma grande influência na organização política e social de Westeros.

Então segundo  essa teoria, tal conspiração (no que tange a Casa Targaryen) teria raízes no momento em que Aegon Targaryen chegou a Vilavelha, sede da Cidadela e da Casa Hightower, para conquistá-la, mas encontrou os portões da cidade abertos:

“[..] quando Aegon Targaryen e suas tropas se aproximaram de Vilavelha, encontraram os portões da cidade abertos, e Lorde Hightower esperando para prestar submissão. Acontece que, quando as notícias do primeiro desembarque de Aegon chegaram a Vilavelha, o Alto Septão se trancou no Septo Estrelado por sete dias e sete noites, buscando orientação dos deuses. Dizem que ele se alimentou apenas de pão e água e passou todo o tempo acordado em oração, indo de um altar para o seguinte. No sétimo dia, a Velha ergueu a lanterna dourada para lhe mostrar o caminho adiante. Se Vilavelha pegasse em armas contra Aegon, o Dragão, Sua Alta Santidade viu, a cidade certamente queimaria, e Torralta, a Cidadela e o Septo Estrelado seriam derrubados e destruídos.

Manfred Hightower, Senhor de Vilavelha, era um senhor cauteloso e devoto. Um de seus filhos mais jovens servia com os Filhos do Guerreiro, e outro recentemente fizera os votos como septão. Quando o Alto Septão lhe contou sobre a visão concedida a ele pela Velha, Lorde Hightower determinou que não se oporia ao Conquistador pela força das armas. Assim, nenhum homem de Vilavelha queimou no Campo de Fogo, embora os Hightower fossem vassalos dos Gardener de Jardim de Cima. E foi assim que Lorde Manfred cavalgou para receber Aegon, o Dragão, quando este se aproximou, e lhe ofereceu sua espada, sua cidade e seu juramento.
(Alguns dizem que Lorde Hightower também ofereceu a mão de sua filha mais jovem, que Aegon recusou educadamente, sob pena de ofender suas duas rainhas.)” (MARTIN, George; GARCÍA, Elio M; ANTONSSON, Linda. O Reinado dos Dragões: A Conquista. In: O mundo de gelo e fogo: a história não contada de Westeros e As Crônicas de Gelo e Fogo. Tradução: Márcia Blasques, 2.ed. Rio de Janeiro: Leya, 2017)

Repare como o texto diz que Manfred Hightower reconhecia que não tinha como se opor a Aegon por meio das armas, mas ao mesmo tempo a sentença fica vaga pois nos permite especular se a resistência a conquista poderia vir a partir de outros meios, mais sombrios e sorrateiros, digamos assim. Então logo em seguida, Manfred, ofereceu a Aegon uma de suas filhas em casamento, mesmo sabendo que ele já tinha duas rainhas. Não que isso importasse talvez, já que Aegon casou com suas esposas fora da Fé dos Sete e essa não foi a primeira proposta de casamento que ele recebeu depois que iniciou sua conquista.

A casa Hightower é uma das casas mais influentes da Campina e sempre buscou de algum modo inserir-se dentro da Casa Targaryen e com ela manteve uma bem sucedida e conturbada relação. A primeira aliança matrimonial veio através do casamento de Ceryse Hightower, na época sobrinha do Alto Septão, com o filho mais novo de Aegon, príncipe Maegor. Em 106 d.C Alicent Hightowers casou-se com Viserys I e com ele teve Aegon, que mais tarde se tornaria Aegon II e foi o principal protagonista, ao lado de sua irmã Rhaenyra (filha do primeiro casamento de Viserys I com Aemman Arryn), da Dança dos Dragões.

A relação dos Hightowers com a Cidadela e sua suposta participação na Conspiração dos meistres é um tema que merece uma análise a parte, sobretudo porque a Casa Hightower aparece muito mais relacionada a Fé dos Sete (que teve uma longa e conturbada relação com Maegor), do que com a Cidadela em si, embora seja inegável a sua aproximação (pelo menos geográfica ou mesmo financeira) com essa ordem.

Porém, é importante destacar que essa teoria estaria dividida em duas ofensivas que deveria destruir a Casa Targaryen de dentro para fora. A primeira ofensiva seria exatamente o extermínio gradual dos dragões, que ocorreu no reinado de um rei que tinha pouca simpatia pelas criaturas, pois Aegon III era filho da rainha Rhaenyra e vira sua mãe ser devorada viva pelo dragão de seu irmão, Sunfyre, ao final da Dança dos Dragões. Até atingir a maior idade, o reinado de Aegon III viveu sobre uma regência, o que dava a prerrogativa de decisão para outras pessoas e não para menos foi em seu reinado que os dragões desapareceram.

A segunda ofensiva seria acabar com a casa, para não correr com o risco de ter alguém chocando novos ovos. Existe uma lacuna muito grande entre a morte dos dragões e a queda da Casa Targaryen. Mas até a tragédia de Solarestival, existiam muitos Targaryens no mundo. Com a tragédia e a morte de praticamente toda a linhagem principal, restaram pouquíssimos e foi assim que Aerys II subiu ao Trono de Ferro em 216 d.C, com a missão e o objetivo de restaurar a linhagem principal da casa pois com a morte de seu pai (Jaehaerys II) só restara ele, sua irmã esposa Rhaella e o filho do casal, o pequeno Rhaegar. Com apenas três Targaryen no mundo, a linhagem dos dragões nunca estivera tão vulnerável e comprometida desde a Dança dos Dragões.

Entretanto, após o nascimento de Rhaegar, é digno de nota a série brutal de abortos e filhos natimortos ou que morriam tempos depois, que a rainha Rhaella sofreu. 


“As relações entre o rei e a rainha ficaram ainda mais tensas quando Rhaella se provou
incapaz de dar mais filhos a Aerys. Abortos em 263 e 264 d.C. foram seguidos por uma filha natimorta em 267 d.C. O príncipe Daeron, nascido em 269 d.C., sobreviveu apenas por meio ano. Então veio outro natimorto, em 270 d.C., outro aborto em 271 d.C., e o príncipe Aegon, nascido dois turnos da lua antes do tempo em 272 d.C. e morto em 273 d.C.”
(MARTIN, George; GARCÍA, Elio M; ANTONSSON, Linda. Os Reis Targaryen: Aerys II. In: O mundo de gelo e fogo: a história não contada de Westeros e As Crônicas de Gelo e Fogo. Tradução: Márcia Blasques, 2.ed. Rio de Janeiro: Leya, 2017)


Além dessas fracassadas tentativas de dar seguimento a linhagem, Rhaella ainda perdeu o príncipe Jaehaerys, nascido em 274 d. C, um pouco depois que ele nasceu. A morte de Jaehaerys afundou Aerys em uma tristeza profunda e aumentou sua paranoia até que em 276 d.C Rhaella deu a luz a Viserys, quando Rhaegar já tinha 17 anos.

“Mas o nascimento do príncipe Viserys só pareceu deixar Aerys II mais temeroso e obcecado. Embora o novo príncipe parecesse bem saudável, o rei estava aterrorizado em pensar que ele pudesse sofrer o mesmo destino de seus irmãos. Cavaleiros da Guarda Real tinham ordens de ficar com ele dia e noite, e garantir que ninguém tocasse no menino sem a permissão do rei. Até a rainha estava proibida de ficar sozinha com a criança. Quando o leite dela secou, Aerys insistiu que seu provador de comida mamasse no seio da ama de leite do príncipe, para garantir que a mulher não espalhasse veneno nos mamilos. Conforme os presentes para o jovem príncipe chegavam de todos os senhores dos Sete Reinos, o rei os empilhava no pátio e os queimava, por medo de que algum deles pudesse estar enfeitiçado ou amaldiçoado.” (MARTIN, George; GARCÍA, Elio M; ANTONSSON, Linda. Os Reis Targaryen: Aerys II. In: O mundo de gelo e fogo: a história não contada de Westeros e As Crônicas de Gelo e Fogo. Tradução: Márcia Blasques, 2.ed. Rio de Janeiro: Leya, 2017)

Aqui devemos ter muito cuidado pois pensar em Aerys é meio como pisar em ovos, segundo penso. Ele é um embuste, eu sei, mas muito do que sabemos sobre ele ainda vem dos vencedores da Rebelião de Robert, inclusive a citação acima. Porém, dado ao alarmante número de bebês perdidos por Rhaella, pode-se especular até que ponto a crescente paranoia de Aerys não carregava um fundo de verdade, pois como os dragões, os filhos de Aerys e Rhaella poderiam estar sendo assassinados também e pelos mesmos motivos.

“A corrente em torno do pescoço parecia-lhe muito pesada. Tocou ligeiramente em um dos cristais com a ponta do mindinho. “Que coisa pequena para conter o poder da vida e da morte.” Era feito de uma certa planta que crescia apenas nas ilhas do Mar de Jade, a meio mundo de distância. As folhas tinham de ser envelhecidas e embebidas numa loção de visgo, água de açúcar e certas especiarias raras vindas das Ilhas do Verão. Depois, podiam ser descartadas, mas a poção tinha de ser engrossada com cinzas e deixada cristalizar. O processo era lento e trabalhoso, e os ingredientes, caros e difíceis de adquirir. Mas os alquimistas de Lys conheciam-no, bem como os Homens Sem Rosto de Bravos… E os meistres da sua ordem, apesar de não se tocar nesse assunto para lá das muralhas da Cidadela. O mundo inteiro sabia que um meistre forjava seu elo de prata quando aprendia a arte de curar… Mas o mundo preferia esquecer que os homens encarregados de curar também sabiam matar.” (MARTIN, George. A Fúria dos Reis. Prólogo. Tradução: Jorge Candeias. São Paulo: Leya; 2011)

Um meistre tem pleno acesso aos seus reis e senhores sem levantar grandes suspeitas e o meistre que por um bom tempo esteve com Aerys foi o velho Pycelles, que mais tarde descobrimos ser fervorosamente leal a Tywin Lannister, inclusive.

Entretanto, vale mencionar também que a pergunta de Marwyn para Sam sobre "quem matou os dragões", pode carregar um duplo sentido. Os dragões são as criaturas aladas que cospem fogo e também os membros da Casa Targaryen, por isso que se fala em dupla ofensiva para essa conspiração: destruir os dragões e as pessoas que podem chocar os ovos de dragões.

Evidente que talvez apenas isso não baste para mostrar como a Conspiração dos Meistres pode ter precipitado a queda da Casa Targaryen e vale ressaltar novamente que a parte dos filhos de Aerys e Rhaella sendo assassinados é altamente especulativa, embora é inegável que essas perdas tenha tido um considerável impacto sobre a saúde mental de Aerys que conforme já mencionado, inicia seu reinado com a missão de restabelecer a glória e a linhagem dessa casa. Porém, uma suposta queda da Casa a partir dessa conspiração faz mais sentido quando a cruzamos com outra conspiração, conhecida como “as ambições sulistas”, da qual falaremos na próxima parte. 


Por Luciana Gomes (Rhaenys)




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