[ANÁLISE] AEREA TARGARYEN E BALERION, e a viagem misteriosa


Talvez poucos locais no universo de gelo e fogo sejam tão proibitivo e despertam tanta a curiosidade dos leitores quanto Valíria. Muitos de nós inclusive especulamos se um dia não teremos um vislumbre desse lugar aparentemente amaldiçoado pelos deuses. Mas eis que em Fogo e Sangue, Martin talvez tenha nos dado essa resposta e a conclusão que se chega é que é melhor deixa isso pra lá.

Essa história começa com a jovem Aerea Targaryen, filha mais velha de Rhaena e Aegon Targaryen. Como comentado aqui não faz muito tempo, Aerea tinha uma irmã gêmea chamada Rhaella e especula-se que em algum momento durante a coroação de Jaehaerys I em Vilavelha, as meninas tenham trocado de identidade. Após o casamento entre Maegor e Rhaena, Aerea havia ficado em Porto Real pois tornou-se herdeira de Maegor I até que ele gerasse um filho. Rhaella por sua vez, foi levada por ordem real para Vilavelha para servir a Fé dos Sete. Antes da coroação de Jaehaerys, Rhaella era descrita como uma garota agitada e voluntariosa, enquanto sua irmã era tida como disciplina e estudiosa. As personalidades de ambas mudam simultaneamente após a coroação, suscitando a ideia de que elas haviam sido trocadas.



De qualquer jeito, durante o reinado de Jaehaerys, Aerea também foi feita herdeira do rei, até que ele gerasse um filho. Porém, em 51 d.C, Aerea que adorava a corte mudou-se com a mãe para Pedra do Dragão. Entediada com a ilha, Aerea vivia uma relação conturbada com Rhaena que sempre a incentivava a reivindicar um dos muitos dragões da ilha, como forma de distraí-la.

No ano de 54 d.C, após a partida de Elissa Farman, a única amiga que ela tinha na ilha, Aerea desapareceu logo em seguida e tempos depois descobriu-se que ela finalmente havia reivindicado um dos dragões. O maior e mais terrível deles: Balerion, o Terror Negro.

Aerea e Balerion desapareceram por mais de um ano, para desespero de Rhaena que a procurou incansavelmente por todos os Sete Reinos enquanto Jaehaearys enviava emissários para procurar a princesa do outro lado do Mar Estreito. Aerea e Balerion finalmente retornaram a Porto Real no décimo terceiro dia da quarta lua em 56 d.C , com uma Aerea gravemente doente agarrada às costas do dragão. Ela estava quase irreconhecível de tão magra e suas roupas não passavam de farrapos. Seu cabelo estava emaranhado e seus olhos ardiam como duas bolas de sangue. Depois de tentar falar "eu nunca...", Aerea desfaleceu. Ela foi levada até o Grande Meistre Benifer por Sor Lucamore Strong, da Guarda Real e tempos depois foi dito que ela morreu de febre, após ser mergulhada numa banheira de gelo. Suas cinzas foram levadas por Rhaena que jamais se recuperaria da perda da filha, e jogadas ao vento enquanto Rhaena voava em Dreamfyre.

Porém, Septão Barth, naquela época a Mão do Rei, conta uma história diferente sobre a morte da princesa.

“Contamos ao mundo que a princesa Aerea morreu de febre, e isso é vagamente verdadeiro, mas foi uma febre tal qual eu nunca tinha visto antes e espero jamais voltar a ver. A menina estava queimando. Sua pele estava corada, vermelha, e, quando coloquei a mão em sua testa para atestar quão quente ela estava, foi como se eu tivesse tocado uma panela de óleo fervente. Quase não havia carne sobre seus ossos, tal era o estado de esqualidez e fome que ela aparentava, mas pudemos observar certos… inchaços… dentro dela, conforme sua pele se inflava e voltava a retrair, como se… não, não como se, pois esta era a verdade… havia coisas dentro dela, coisas vivas, se mexendo e retorcendo, talvez procurando alguma forma de sair, e provocando tanta dor à menina que nem o leite de papoula proporcionava trégua. Dissemos ao rei, tal como certamente diremos à mãe dela, que Aerea nunca falou, mas é mentira. Rezo para que eu não tarde a esquecer algumas das coisas que ela murmurou através de seus lábios rachados e ensanguentados. Não consigo esquecer a frequência com que ela suplicou pela morte.

“Todas as artes do meistre foram impotentes contra sua febre, se de fato podemos atribuir a tal horror um nome tão comum. A maneira mais simples de dizer é que a coitada estava cozinhando por dentro. Sua pele se escureceu mais e mais e começou a rachar, até se tornar algo que lembrava apenas, que os Sete me salvem, torresmo. Finos tentáculos de fumaça emergiram da boca, do nariz e até mesmo, obscenamente, de seus lábios inferiores. A essa altura, ela já havia parado de falar, embora as coisas dentro dela continuassem a se mexer. Seus olhos cozinharam dentro do crânio e finalmente estouraram, como dois ovos esquecidos dentro de uma panela de água fervente.”

“Achei que essa foi a visão mais pavorosa que eu jamais contemplaria, mas logo fui corrigido de tal ideia, pois um horror pior me aguardava. Foi quando Benifer e eu depositamos a coitada dentro de uma banheira e a cobrimos de gelo. Repito para mim mesmo que o choque dessa imersão parou seu coração imediatamente… nesse caso, foi uma misericórdia, pois foi nesse momento que as coisas dentro dela saíram…

“As coisas… a Mãe tenha misericórdia, não sei como falar delas… eram… minhocas com rostos… cobras com mãos… coisas retorcidas, viscosas, impronunciáveis que pareciam se revolver e pulsar e revirar ao irromper da pele dela. Algumas eram menores que meu dedo mindinho, mas uma tinha no mínimo o tamanho do meu braço… ah, o Guerreiro me proteja, os sons que elas faziam…

“Mas elas morreram. Preciso me lembrar disso, me aferrar a isso. O que quer que tenham sido, eram criaturas de calor e fogo e não, elas não apreciavam o gelo. Uma após a outra, elas se debateram e reviraram e morreram diante dos meus olhos, graças aos Sete. Não me aventurarei a lhes dar nomes… eram horrores.” (MARTIN, George. Fogo e Sangue. Jaehaerys e Alysanne: Triunfos e tragédias)

Barth em seguida conclui que a pergunta que deveria ter sido feita com o desaparecimento não era para aonde Aerea havia levado Balerion, mas para aonde o dragão havia levado a princesa. Ele conclui que Balerion a levou para Valíria pois havia nascido lá (sendo talvez a única criatura viva que sobrevivera a perdição) e se sentido atraído pelo seu local de nascimento, levou Aerea com ele, provavelmente porque ela ainda era jovem demais (tinha apenas 13 anos) e não conseguiu controla-lo o suficientemente bem. Balerion era o dragão mais velho e mais obstinado vivo até então.

“O que a acometeu em Valíria, não posso saber. Considerando as condições em que voltou para nós, eu sequer me disponho a contemplar. Os valirianos eram mais do que senhores dos dragões. Eles praticavam magia de sangue e outras artes obscuras, mergulhando a fundo na terra em busca de segredos que melhor seria se permanecessem enterrados, e distorcendo as carnes de animais e homens para formar quimeras monstruosas e antinaturais. Por esses pecados, a ira dos deuses os arrasou. Valíria é uma terra amaldiçoada, todos sabem, e até mesmo o marinheiro mais audacioso se mantém longe de sua carcaça fumegante… mas seria um erro acreditar que nada vive ali hoje. As coisas que encontramos dentro de Aerea Targaryen vivem lá hoje, creio eu… assim como outros horrores tais que sequer sou capaz de imaginar.” (MARTIN, George. Fogo e Sangue. Jaehaerys e Alysanne: Triunfos e tragédias)

O próprio Balerion tinha ferimentos quando voltou com Aerea para Porto Real.

“Balerion também tinha ferimentos. Aquela criatura monstruosa, o Terror Negro, o dragão mais temível que jamais voara pelos céus de Westeros, voltou a Porto Real com feridas parcialmente cicatrizadas que ninguém se lembrava de jamais ter visto, e um rasgo de quase três metros de comprimento ao longo do lado esquerdo de seu corpo, uma ferida vermelha enorme de onde ainda pingava sangue, quente e fumegante .” (MARTIN, George. Fogo e Sangue. Jaehaerys e Alysanne: Triunfos e tragédias)

A teoria mais aceita é que de fato Balerion seguiu sua vontade e não de Aerea e voou com ela até Valíria. Lá ela foi infectada pelas criaturas que a mataram de dentro pra fora e Balerion lutou com o wyrm de fogo, pois isso tinha ferimentos espalhados pelo corpo.

- Wyrms de fogo. Há quem diga que são parente dos dragões, pois os wyrms também respiram fogo. Em vez de voarem pelo céu, abrem caminho através da pedra e terra. Se é possível crer nas antigas lendas, havia Wyrms entre as Catorzes Chamas mesmo antes da chegada dos dragões. Os jovens não são maiores do que esse seu braço magricela, mas podem crescer até dimensões monstruosas e não sentem nenhuma amizade pelos homens (MARTIN, George. O Festim dos Corvos. Arya II).

A ideia do passeio de Balerion e Aerea por Valíria é sedutora pois: 1) mostra que a perdição não age mais sobre Valíria 2) Quando os dragões morreram com os valirianos, outras criaturas prosperaram no coração queimado de Valíria, os wyrms eram frequentemente encontrados nas Catorze Chamas então faz sentido eles sobreviverem ao cataclismo que destruiu a Cidade Franca 3) Embora arriscado, um dragão pode ir lá e sobreviver, ainda mais se ele estiver acompanhado por um cavaleiro experiente, o que não era o caso de Aerea 4) É mais sensato não arriscar.

A morte de Aerea incentivou Barth a pesquisar mais sobre os dragões e criaturas semelhantes. Ele dedicaria sua vida a isso, sendo a referência no assunto e escrevendo obras como "Dragões, cocatrizes e serpes: Uma história antinatural", um volume que a Cidadela condenaria como “provocador, mas impreciso” e que Baelor, o Abençoado, daria ordem para que fosse proibido e destruído.

Embora a questão jamais tenha sido apresentada ao pequeno conselho, ainda naquele ano Jaehaerys publicou um decreto real que proibia que qualquer navio suspeito de ter visitado as ilhas valirianas ou navegado pelo Mar Fumegante atracasse em qualquer porto ou cais dos Sete Reinos. E os súditos do rei também estavam proibidos de visitar Valíria, sob pena de morte.

Depois disso, Balerion foi o primeiro dragão a ser abrigado em Fosso dos Dragões, os longos túneis revestidos de tijolos, escavados nas profundezas da Colina de Rhaenys, haviam sido construídos de modo a se assemelhar a cavernas e eram cinco vezes maiores que os covis de Pedra do Dragão. Para garantir que não se repetisse algo como a fuga da princesa Aerea com Balerion, o rei determinou que todos os dragões deveriam ficar sob guarda dia e noite, onde quer que estivessem abrigados. Foi criada uma nova ordem de guardas para esse fim: os Guardiões de Dragão, setenta e sete homens com armaduras negras reluzentes, cujos elmos eram decorados por uma fileira de escamas de dragão no topo que desciam, cada vez menores, pela parte de trás.

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