[DESMISTIFICANDO] DAENERYS WHITE SAVIOR, a salvadora branca



Desmistificando a ideia de Daenerys como uma salvadora branca

De modo a celebrar o mês de apreciação da Casa Targaryen, comemorado durante o mês de novembro, elaboramos a desconstrução de alguns mitos sobre essa casa. Dessa vez, falaremos um pouco sobre a acusação de White Savior, que pesa sobre Daenerys Targaryen.

Muito dessa visão se baseia a partir de elementos mostrados em Game of Thrones, principalmente a partir do último episódio da terceira temporada, onde deixamos Daenerys sendo embalada como uma rock star por um monte de ex escravizados que ela mesma libertou.
Para entender melhor a White Savior, veja alguns dos argumentos utilizados:

1 - Daenerys é uma menina branca criada dentro dos costumes westerosis (que representa o Ocidente europeu branco) e de repente se ver dentro de uma cultura totalmente oposta a sua: os dothrakis;

2- Os dothrakis são essencialmente não brancos e nos são apresentados como uma verdadeira sacola de estereótipos: selvagens de peitos nus, primitivos, violentos, bárbaros, estupradores, hiper sexualizados, animalizados etc;

3- Daenerys inicia sua jornada com os dothrakis sendo duramente estuprada por Khal Drogo, até que ela o ensina a fazer amor com ternura e mais pra frente ela tenta modificar alguns de seus costumes, proibindo o estupro, por exemplo;

4 – Quando choca seus ovos de dragão, o que resta desse povo se dobra pra ela e a segue. O mesmo acontece com os povos não brancos que ela encontra em sua empreitada na Baía dos Escravos. Basicamente, Daenerys é retratada pelos showsrunners como uma pessoa branca que sai por aí civilizando e salvando pessoas, um pensamento que é altamente racista. Daenerys é o bom liberal branco, unindo pessoas não brancas para sua causa e inclusive arregimentando uma amiga negra pelo caminho, Missandei;
5 – Daenerys é aclamada Mãe de pessoas não brancas e é tocada por elas como algo sagrado, conforme visto no último episódio da terceira temporada.


Qual é o problema dessa imagem de Daenerys?


Todas as pessoas salvas por ela no programa ou as pessoas que a seguiram são pessoas que não são brancas em sua maioria, por isso a acusação de White Savior. Sem contar que Daenerys é uma mulher branca que assume o controle político de um lugar (Meereen) que está altamente relacionado aos países do Oriente Médio e que todos sabemos que tem uma relação super tensa com os países do Ocidente, sobretudo os Estados Unidos (e seu histórico de intervenção para levar a “democracia” para esses países) onde esses livros são escritos. O subtexto da história de Daenerys se torna assim uma guerra cultural onde os seus valores esclarecidos e ocidentais triunfam sobre os menores e não ocidentais, onde a brancura é uma força conquistadora e civilizadora.



Mas o que na verdade acontece com Daenerys durante sua jornada?



É importante lembrar que a escravidão que Martin trás para seus livros não está baseada na cor, ela é uma escravidão baseada na escravidão antiga, onde qualquer um poderia ser escravizado. Com a palavra, o próprio George Martin:

“A escravidão no mundo antigo e a escravidão no mundo medieval não eram baseadas em raça. Você poderia perder uma guerra se fosse espartano e, se perdesse uma guerra, poderia acabar como escravo em Atenas ou vice-versa. Você poderia se endividar e acabar com um escravo. E foi isso que tentei descrever, em meus livros, esse tipo de escravidão.
Portanto, as pessoas que Dany liberta nas cidades escravas são de muitas etnias diferentes, e isso tem sido bastante explícito nos livros. Mas é claro que quando David [Benioff] e Dan [Weiss] e sua equipe estão filmando aquela cena [de Daenerys sendo carregada por escravos libertos], eles estão filmando no Marrocos e pediram 800 extras. São muitos extras. Eles contrataram as pessoas que apareceram. Os extras não são muito bem pagos. Fiz um show extra uma vez e recebi US $ 40 por dia.

Provavelmente é menos no Marrocos, já que você não precisa pagar a mesma taxa. Se você está dando 800 marroquinos 40 dólares cada, não vai trazer 100 irlandeses apenas para equilibrar o contexto racial aqui. Tínhamos problemas suficientes para cumprir nosso orçamento de qualquer maneira.

Eu sei que alguns leitores não se importam com essa merda. Mas essas coisas são sobre orçamento e realismo, e coisas que você pode realmente fazer. Você está gravando a cena em um dia. Você não tem muito tempo para se preocupar com isso, e como alguém que trabalhou na televisão esse tipo de coisa é muito importante para mim. Não sei se isso é resposta ou não. Eu dei essa resposta, e algumas pessoas não ficaram satisfeitas com essa resposta, eu sei. Eles estão muito chateados com isso.” (Entrevista dada por George Martin a Gizmodo em 23 de julho de 2013: https://io9.gizmodo.com/george-r-r-martin-answers-our-toughest-song-of-ice-and-886133300)



Planejar é essencial Martin, vocês deveriam ter visto que no mundo atual isso daria polêmica. Também cabem muitas críticas a Martin em relação aos dothrakis, que são terrivelmente estereotipados, mesmo nos livros e lá é muito possível que Dany também dobre parte considerável dos costumes deles, como ela já fez com os dothrakis que a seguem ou mesmo na Baía dos Escravos onde provavelmente ela vai impor por meio da força o fim das relações escravistas.

Neste ponto, cabe algumas críticas a personagem como uma intervencionista, ainda que ela esteja bem intencionada pois nos livros é mostrado que ela liberta as pessoas não necessariamente porque está comprometida com um projeto de conquista, mas sim com uma causa humanitária, pois não suporta ver pessoas em correntes, depois que ela mesma foi trocada como uma escrava sexual. O interessante nisso tudo é que Martin mostra os dois lados das ações de Daenerys, já que se ela salva por um lado, ela destrói por outro. Ela é uma menina jovem em franco aprendizado que está vendo que nem todos eram contrários as suas correntes.

É importante lembrar também que Daenerys é uma pessoa cosmopolita que passou a vida vivendo em locais diferentes, vendo diferentes culturas, ainda que os costumes básicos dela sejam westerosi. O que Martin nos mostra de Daenerys é que ela tenta se adaptar aos lugares aonde entra, aprendendo seus costumes e línguas (ainda que ela possa não gostar de todos eles).

O principal problema nisso tudo, foi a decisão dos showrunners B 1 e B 2 em retratar escravos como pessoas essencialmente não brancas, sendo que essa escravidão onde a cor é um fator determinante, está muito mais relacionada aos momentos mais tardios da escravidão africana. No início a cor não era um determinante, depois, mais pro século XVIII e XIX, ela passa a ser uma justificativa contundente para escravizar esse povo, inclusive científica. Na Idade Antiga, onde Martin baseia sua escravidão, a cor simplesmente não importava.

Comentários

  1. Tem vários pontos onde salvadores brancos surgem pra salvar o dia. Só pensar que fizeram uma princesa Targaryen deixar os filhos dos plebeus brincarem nos Water Gardens em Dorne... Não veria problema se as próprias mulheres dothraki ou os escravos ghiscari se libertassem, mas sempre colocam como se fosse algo que os valirianos impedissem.

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    1. A questão é que as pessoas que ela liberta na baía são de todos os locais de Essos, a cor não define essa relação. A mesma coisa no caso da rainha Targaryen em dorne, os dorneses são também de todas as cores. Acho que as vezes a régua em relação ao tom de pele como um indicador está na nossa cabeça. De todo modo, os escravos de Volantis talvez estejam prestes a se rebelar sem ela e muitas outras coisas podem acontecer. É importante lembrar que a maioria das pessoas que Dany liberta na Baía dos Escravos não são nativas de lá, pois a Baía é a apenas um mercado onde os escravos são comprados e formados. A história do Martin é uma história eurocêntrica, o que significa que todos os seus protagonistas são brancos, inclusive todos os candidatos a salvadores que passou pelas páginas de asoiaf. Então o problema, não é de uma personagem em si, mas da obra de forma geral.

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