[DESMISTIFICANDO] A LOUCURA TARGARYEN, estremecendo a beira de sonhos e profecias


A ideia desse texto é desmistificar a loucura Targaryen


De modo a celebrarmos o mês de apreciação da Casa Targaryen (novembro), trazemos hoje a terceira e última parte da série de análises para desmistificar alguns estigmas sobre essa casa. Sendo assim, cabe dizer que talvez nenhum estigma sobre essa família de dragões seja tão forte quanto a percepção de que seus membros tremem na borda da loucura por conta da pratica valiriana do incesto. Quem é Targfã, precisa lidar com essa realidade continuadamente, o que muito provavelmente foi agravado com o final irresponsável de Game of Thrones e a seguinte passagem:



“O Rei Jaehaerys disse-me um dia que a loucura e a grandeza eram dois lados de uma mesma moeda, "Sempre que um novo Targaryen nasce" disse ele, "os deuses atiram uma moeda ao ar e o mundo segura a respiração para ver de que lado ela cairá" (MARTIN, George. A Tormenta de Espadas)


Pra começar, é preciso dizer que o contexto em que o rei Jaehaerys II disse esta frase para Sor Barristan nos livros é desconhecido, mas é inegável que ela fica no subconsciente de Daenerys Targaryen, a ponto dela temer uma suposta mácula que viria junto com o seu sangue.

Como não compreendemos o contexto em que a frase da moeda foi falada, não entendemos ao certo as intenções de Martin, já que a moeda e a árvore genealógica da Casa Targaryen são minimamente contraditórias. Até o momento, apenas cinco integrantes dessa casa podem ter flertado com a loucura, e com exceção de um deles, todos os demais são questionáveis:

Príncipes:

  • Rhaegel Targaryen – porque era visto dançando nu pela Fortaleza Vermelha, vê se pode;
  • Aerion, Chama Viva ou Monstruoso - Sempre teve um comportamento cruel, mas morreu ao tomar fogo vivo pois acreditava que se tornaria um dragão;

Reis:

  • Maegor I, o cruel – claramente não era louco, mas sim cruel conforme ele mesmo ficou conhecido;
  • Baelor I, o Abençoado – beirava ao fanatismo religioso e fazia coisas tidas como tolas por alguns, como jejuns, para ter visões que muitos consideravam como alucinações;
  • Aerys II, o rei louco – Aerys é certamente o único caso claro de loucura dentro da Casa Targaryen, não o tipo de loucura causado por seus genes, mas por uma série de acontecimentos trágicos e brutais que foram aos poucos devorando sua saúde mental.

Particularmente falando, eu acredito que existem dois argumentos principais que nos ajudam a desmistificar a história de loucura da Casa Targaryen:

O primeiro deles é a maneira como os westerosis encaram os costumes valirianos dos Targaryen, não sendo poucas às vezes que o incesto foi condenado pela Fé dos Sete como uma abominação. Acho que essa tendência dentro da história contribui muito para a nossa visão moderna que em primeiro lugar condena o incesto e em segundo lugar compreende que ele pode causar vários problemas ao feto gerado desse tipo de relação. O incesto entre os irmãos Lannister, que resulta no nascimento de Joffrey, também corroboram essa interpretação. Mas é minimante estranho que nunca ouvimos casos frequentes de loucuras entre os valirianos que certamente praticaram muito mais o incesto do que os Targaryen que foram cada vez mais se misturando com as casas de Westeros por meio de casamentos não incestuosos.

O segundo aspecto importante é a MAGIA. A Casa Targaryen é uma casa essencialmente mágica e seus dragões são a maior prova dessa aproximação. Muitos deles possuem características físicas tão perfeitas que beiram o irreal, o que por si só já os afastam um pouco da nossa biologia padrão, afinal, não dá pra esquecer que por mais realista, essa ainda é uma história de fantasia onde o autor desfruta de considerável licença poética.

A magia não garante apenas a ligação intrínseca dessa casa com os dragões, mas também sonhos proféticos. Quando o Arquimestre Marwyn diz a Sam que meistre Aemon nunca foi promovido a arquimeistre por causa de seu sangue, é porque o sangue de meistre Aemon, como um membro da Casa Targaryen, é essencialmente mágico e a magia é sorrateiramente combatida e desacreditada pela Cidadela. É por conta desse padrão, que podemos encontrar homens como Stannis Baratheon chamando alguns membros dessa casa de tolos/bobos/loucos. Sonhos mágicos e qualquer tipo de feitiçaria, que era tão comum em Valíria, encontram forte resistência em Westeros por meio da Fé dos Sete e da Cidadela que basicamente formam o caráter da sociedade westerosi, a maneira como essa sociedade deve pensar e se comportar. Deste modo, muito da noção de loucura que se tem dessa casa, está fundamentada na ideia que as pessoas de fora constroem dela. Por isso a declaração a seguir meistre Aemon, alguém de dentro da família, é tão importante:

“- Eu me lembro Sam, eu me lembro.
As coisas que diziam não faziam sentido
- Lembra do quê?
- Dos Dragões. – o velho sussurrou. – Eram a dor e a glória da minha casa.
- O último dragão morreu antes de eu ter nascido. – Sam respondeu. – Como é possível que se lembre deles?
- Vejo-os nos sonhos, Sam. Vejo uma estrela vermelha a sangrar no céu. Ainda me lembro do vermelho. Vejo suas sombras na neve, ouço o estalar de suas asas de couro, sinto seu bafo quente. MEUS IRMÃOS TAMBÉM SONHAVAM COM OS DRAGÕES, E OS SONHOS MATARAM TODOS ELES. Sam, nós estremecemos à beira de profecias meio recordadas, de maravilhas e terrores que nenhum homem vivo hoje pode esperar compreender... ou...
- Ou - Sam quis saber?
- ... ou não. – Aemon abriu um suave e pequeno sorriso – Ou então sou um velho febril e moribundo.”(Samwell, O Festim dos Corvos)

Ainda que deixe uma nota de dúvida para sustentar a narrativa ambígua de Martin, a questão é que os Targaryen de fato estão cercados por misticismo. Aerion, Chama Viva, que morreu ao beber fogo vivo, era irmão de meistre Aemon, assim como Aegon V, que morreu na tragédia de Solarestival ao tentar chocar ovos de dragão. Conforme a fala de meistre Aemon, Aerion era perturbado pelos sonhos de dragão e embora ele fosse de fato uma pessoa cruel, seus sonhos podem explicar porque ele passou a vida acreditando e repetindo que se transformaria em um dragão, o que muitos consideravam uma bobagem. Porém, até mesmo Aerys II pode ter sido perturbado pelos mesmos sonhos:

“Aerys queria ter a maior pira funerária de todas. Se bem que, a bem da verdade, não creio que realmente esperasse morrer. Tal como AERION, CHAMA-VIVA, antes dele, Aerys acreditava que o FOGO O TRANSFORMARIA... que se ergueria novamente, renascido como um dragão, e transformaria todos os inimigos em cinza.” (Jaime, A Tormenta de Espada, pp. 386-387)

Quem acende uma pira funerária após ter provavelmente os mesmos sonhos que meistre Aemon, Aerion, Aegon V e Aerys, foi Daenerys Targaryen:

"[...] Já não haviam dragões, pensou Dany, de olhos fixos no irmão, embora não se atrevesse a dizê-lo em voz alta.
Apesar disso, naquela noite sonhara com um. Viserys batia nela, a machucava. Ela estava nua, atordoada de medo. Fugiu dele, mas o corpo parecia pesado e desajeitado. Ele bateu nela de novo. Ela tropeçou e caiu. “Você acordou o dragão”, gritava ele enquanto lhe dava pontapés. “Acordou o dragão, acordou o dragão”. Tinha as coxas escorregadias de sangue. Fechou os olhos e choramingou. Como que em reposta, ouviu-se um hediondo som de rasgar e o crepitar de um grande fogo. Quando voltou a olhar, Viserys havia desaparecido, grandes colunas de chamas erguiam-se por toda a parte e, no meio dela, estava o dragão. Virou lentamente a grande cabeça. Quando os olhos fendidos do animal encontraram os dela, Dany acordou, tremendo e coberta por uma fina película de suor... Nunca tivera tanto medo... "(Daenerys II, A Guerra dos Tronos).

Depois disso, sabemos o que acontece. Daenerys acende uma pira para Khal Drogo e os dragões voltam ao mundo, sendo um deles, o dragão que ela via em seus sonhos: Drogon. E não apenas isso, Daenerys renasce metaforicamente como um dragão. Ela se transforma como Aerys e Aerion acreditavam que aconteceria com eles.

Não é de hoje que defendo que a suposta “loucura” Targaryen está ligada de algum modo aos dragões ou melhor dizendo, ao seu desaparecimento. Com exceção de Maegor, que era cruel e não louco, não há insinuações de “loucura” antes da Dança dos Dragões, apenas uma história de fogo e sangue. Após a morte do último deles no reinado de Aegon III, acredito que vários Targaryen ficaram tendo o mesmo sonho que Daenerys e por conta disso cometeram atos insanos como beber fogo vivo, incendiar Solarestival, incendiar Porto Real ou entrar vivo numa pira funerária como foi o caso de Daenerys. A diferença foi que ela foi bem sucedida aonde seus antepassados falharam, mas todos os sonhos podem ter os mesmos propósitos: trazer os dragões de volta. Gosto de pensar que os dragões estavam mostrando para eles qual era o preço e o caminho para tal feito.

Essa leitura pode estar dentro de uma das premissas básicas de Martin e ela não tem nada a ver com incesto, mas sim com a ideia de que a magia é uma espada difícil de segurar ou de que o caminho da magia ou das profecias são escorregadios e podem levar a tragédias como Solarestival, ingerir fogo vivo ou mesmo no caso de Rhaegar Targaryen que provavelmente escorregou no meio do caminho por acreditar em sonhos e profecias. Se você prestar atenção, vai ver que história da Casa Targaryen é uma história trágica por excelência e não acho que isso seja uma coincidência.

De qualquer modo, se existe por um lado a história da abominação devido ao incesto, há também a ideia construída de que os Targaryen carregavam o sangue dos deuses e da velha Valíria, um sangue cobiçado por muitos justamente por carregar toda a magia que os ligavam a Valíria e aos dragões. Muitos em Westeros se glorificam por carregar uma gotinha do sangue de dragão e sempre foi uma grande honra para as Grandes Casas fornecer consortes para a Casa Targaryen. Praticamente ninguém estava preocupado com deformidades ou insanidade por causa do sangue, muito pelo contrário, esse sangue era/é desejado.

Por fim, é importante dizer que muitas pessoas torcem para que Daenerys Targaryen fique louca nos livros (desejo este que a série realizou ou pelo menos tentou), o que faz com essas pessoas se agarrem a doença de Aerys Targaryen sem tentar entender sua progressão, se apeguem a histeria de Viserys sem tentar entender sua trajetória, que falem da casa sem entender sua relação intrínseca com a magia e assim tomem como certa as visões externas que algumas pessoas carregam dessa casa. Se príncipe Rhaegel dançava nu pela Fortaleza Vermelha quem garante que esse era o comportamento de um homem louco e não uma condenação social? Eu também seria tachada de louca se saísse nua nas ruas, ainda que eu não seja. Quem garante também que as visões de Baelor não eram verdadeiras?

Ser cruel num mundo que já é essencialmente violento e onde essa violência é exaltada como fator de sobrevivência, não é necessariamente um atestado de loucura, do contrário poderíamos colocar Tywin Lannister numa camisa de força, ele massacrou casas inteiras, da mesma maneira que Maegor e Aerys II Targaryen.

Acredito que Martin sempre deixará uma ambiguidade no que diz respeito a relação dos Targaryen com a magia, por conta disso é importante estarmos atentos aos pequenos detalhes e lembrarmos que mulheres poderosas montadas em dragões incomodam tanto dentro quanto fora dos livros.

Por Luciana Gomes (Rhaenys)

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